
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) para investigar irregularidades na criação de unidades de conservação e em contratos de projetos de carbono no estado concluiu, após meses de apuração, que houve vícios insanáveis em praticamente todos os processos analisados. A CPI das Reservas, como ficou conhecida, centrou-se na análise da legalidade de onze unidades criadas por decreto em 2018, além de examinar contratos firmados com as empresas Permian Brasil Serviços Ambientais Ltda. e Biofílica Investimentos Ambientais S.A.
De acordo com o relatório final, aprovado em Plenário e com 129 páginas, a CPI apontou como “fato incontroverso” a inexistência de estudos técnicos válidos que embasassem a criação das áreas protegidas. Técnicos cujos nomes constam nos processos como responsáveis pelos levantamentos afirmaram em depoimento que não participaram da elaboração ou sequer visitaram todas as áreas. Segundo o relator, deputado Pedro Fernandes, isso compromete a validade jurídica de todo o procedimento.
Os parlamentares também identificaram que os decretos de criação das unidades de conservação foram publicados no Diário Oficial sem assinatura do governador do estado, configurando, segundo o relatório, “ato administrativo inexistente”, por não possuir validade jurídica. A publicação ocorreu no dia 20 de março de 2018. O ex-secretário da SEDAM, coronel Vilson Salles Machado, confirmou que os atos foram encaminhados à Procuradoria-Geral do Estado, mas não soube explicar a publicação anterior à assinatura da autoridade competente.
Durante as reuniões, foi constatado ainda que diversos estudos foram reproduzidos em múltiplos processos, com assinaturas de técnicos que não participaram das missões de campo. Márcio Antônio Nunes Brandão, por exemplo, afirmou ter produzido mapas temáticos com base em dados secundários, sem realização de trabalho em campo. Engenheiras florestais como Dalita Rover e Isadora Chagas reconheceram ter participado de entrevistas socioeconômicas em três ou quatro áreas, mas seus nomes constam como responsáveis técnicos por todas as onze.
Em relação à consulta pública, a CPI concluiu que não houve participação efetiva da sociedade civil em parte significativa das áreas afetadas. Em algumas delas, moradores relataram nunca terem sido informados ou convidados para reuniões de apresentação dos projetos.
A ex-servidora Maria Keiliane de Souza Costa declarou que documentos dos estudos técnicos foram inseridos apenas em 2022 no sistema eletrônico da SEDAM. Já Paulo Sérgio Lima, apontado como gestor ambiental nos processos, afirmou que, à época, sua função era apenas logística e que sequer possuía formação superior na área.
Além dos vícios nos atos administrativos, o relatório registrou os impactos sociais das medidas. Moradores de regiões como Soldado da Borracha e Umirizal relataram insegurança jurídica, restrição ao acesso a serviços essenciais e impossibilidade de manter atividades agrícolas tradicionais. O relatório observa que o tipo de unidade criada – estação ecológica – não era compatível com a realidade fundiária e social das localidades, e que alternativas como reservas de desenvolvimento sustentável seriam mais apropriadas.
A CPI destacou que parte dos decretos foi construída com base em estudos que não atendem aos requisitos mínimos da legislação ambiental federal, especialmente a Lei nº 9.985/2000 e o Decreto nº 4.340/2002, que regulam o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Contratos de carbono também são alvo de apuração
Além da criação das reservas, o relatório também dedica parte substancial ao exame dos contratos firmados com as empresas Permian Brasil Serviços Ambientais Ltda. e Biofílica Investimentos Ambientais S.A., responsáveis por projetos de crédito de carbono em áreas sob contestação.
No caso da Permian Brasil, o relatório destaca que o contrato firmado (nº 0028.563470-2019-90) já foi declarado nulo em decisão judicial, devido a vícios no procedimento de contratação. A CPI aponta que o Estado atuava apenas como interveniente no contrato, sem obter contrapartida financeira pela comercialização dos créditos. O relatório sugere o envio do processo ao Ministério Público de Rondônia para abertura de inquérito civil público e recomenda apuração com base na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Anticorrupção.
Quanto à Biofílica, o processo nº 0028.484937-2019-36 também foi analisado, embora a CPI tenha reconhecido limitações técnicas para examinar o caso em profundidade. A comissão afirmou não ter conseguido contratar consultoria especializada, razão pela qual sugere que o processo seja submetido à mesma auditoria recomendada para a Permian, com encaminhamentos ao MP e ao Tribunal de Contas da União.
Em ambos os casos, a CPI considera haver indícios de ausência de estudos técnicos válidos, falta de transparência contratual e omissão quanto à contrapartida financeira ao estado de Rondônia.
Confúcio Moura
O relatório menciona o nome do ex-governador de Rondônia e atual senador da República, Confúcio Moura (MDB), apenas para contextualizar a criação da Estação Ecológica Soldado da Borracha, formalizada durante sua gestão por meio de decreto em 2010. O documento não imputa ao parlamentar qualquer responsabilidade pelas irregularidades apontadas, tampouco sugere envolvimento direto nas falhas administrativas que deram origem à CPI. Seu nome é citado apenas no âmbito histórico da origem das áreas sob investigação.
Encaminhamentos e propostas da CPI
Em sua conclusão, a comissão recomenda o encaminhamento do relatório a 12 órgãos, incluindo Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado, Polícia Federal, SPU, IBAMA e ITERON. São também propostas 17 medidas de diligência:
01) Realização de auditoria técnica e jurídica dos processos;
02) Suspensão dos efeitos dos decretos até decisão judicial definitiva;
03) Revogação formal dos atos considerados nulos;
04) Responsabilização civil e administrativa dos agentes públicos;
05) Cancelamento de contratos baseados em atos inválidos;
06) Apuração criminal de indícios de falsidade ideológica e fraude;
07) Envio de cópias aos conselhos de classe dos técnicos envolvidos;
08) Reavaliação da política ambiental estadual;
09) Proposta de novo marco legal estadual para áreas protegidas;
10) Revisão dos limites territoriais das reservas;
11) Inclusão da população afetada na reformulação das áreas;
12) Proibição de novos contratos de carbono com base nas áreas sob contestação;
13) Cancelamento de CARs emitidos com base nos decretos viciados;
14) Atuação da Defensoria Pública para garantia de direitos dos moradores;
15) Comunicação ao Congresso Nacional sobre os achados;
16) Providências junto aos cartórios que realizaram registros fundiários;
17) Criação de grupo interinstitucional para acompanhamento das providências.
A CPI foi presidida pelo deputado Alex Redano, teve como vice o deputado Jean Oliveira e como relator o deputado Pedro Fernandes. Participaram ainda os deputados Cirone Deiró, Lucas Torres e Dra. Taíssa. O relatório final será encaminhado aos órgãos competentes para que sejam adotadas as providências legais cabíveis.
Fonte: Rondônia Dinâmica
Publicada em 22 de April de 2025 às 08:38