
Grandioso em todos os sentidos – 3.380 quilômetros de comprimento –, o rio Madeira é o mais importante de Rondônia. Por cortar a capital Porto Velho, cidade que completou 105 anos na última semana, serve de fonte de renda, morada e lazer ao município.
Porém, a seca que afeta gradativamente o boliviano rio Beni, seu principal afluente, pode refletir no maior afluente do Amazonas. "Não é desesperador, mas é preocupante", disse Catia Eliza Zuffo, especialista em hidrografia e recursos hídricos, do departamento de Geografia, da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
No Relatório do Clima divulgado em agosto deste ano, cientistas constataram que a temperatura em todos os continentes do mundo já subiu 1,5ºC em 150 anos. Uma reportagem do Fantástico mostrou como as mudanças climáticas facilitam a redução do gelo nas partes mais altas dos Andes, que tem relação direta com o Beni e, consequentemente, com o brasileiro Madeira.
Segundo Catia Zuffo, fenômenos como o El Niño e La Niña também interferem na distribuição de chuvas, alteram as temperaturas e acentuam os períodos mais críticos (seca e chuva) do ano. Tais fatores refletem diretamente no escoamento dos rios, como no caso do Beni. "É a vazão. São interligados", reforçou a professora.
"Mas aqui (rio Madeira) tem que se preocupar, por conta do Beni. Ele é o formador das características que o rio Madeira tem no estado de Rondônia. Se o Beni diminui ou seca, sente reflexo aqui. Como o Madeira recebe a contribuição de muitos outros afluentes, ameniza, mas sente. Agora, a intensidade é que vai variar. E, infelizmente, a ação antrópica (humana) nem sempre colabora", explicou.
A engenheira geotécnica e chefe do setor operacional do Sipam, Ana Strava, disse que todos os eventos extremos que ocorrem no Madeira e que são medidos no Brasil tiveram "suas causas atreladas, comprovadamente, aos eventos de chuvas extremas nas bacias dos rios Beni, Mamoré ou Guaporé".
Os 'dependentes': ribeirinhos
O rio Madeira é muito mais importante à região do que parece. Catia Zuffo explica que o desbravamento da região, por exemplo, é feito pelo rio. Em resumo, ele é usado como um "corredor" à exportação.
"Hoje em dia nós temos a hidrovia, muito transporte de passageiros, mas principalmente de cargas. Isso vai ser afetado. A população ribeirinha depende do Madeira e vive em função do ciclo das águas", completou.
Conforme a professora do departamento de biologia da Unir, Carolina Doria, a bacia do Madeira conta com 1.067 espécies de peixes inventariadas. O estudo mais recente ocorreu de 2009 a 2013.
Em uma reportagem da Rede Amazônica exibida há cinco anos, a movimentação no Porto Organizado de Porto Velho aumentou um milhão de toneladas, destes, 80% de soja, entre 2010 e 2014. Na época, o Madeira era escolhido pelo Governo Federal para gerar energia elétrica através de duas usinas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio.
Sobre os ribeirinhos, o professor também de geografia Adnilson de Almeida Silva, especialista representações culturais da Unir, diz que tal população possui uma ligação direta com fatos históricos de ocupação da Amazônia, o que influencia na produção e na pesca.
"Para muitos povos, o rio (Madeira) é a base de tudo, a base da vida. Mas eu diria que aqui na nossa região, rio e floresta andam juntos. A ausência da floresta implica na falta de peixe nos rios. Isso falando de um processo natural, vai demorar mais para procriar e, consequentemente, isso trará problemas diretos aos pescadores. A grande parte da população ribeirinha sobrevive da pesca tanto para sua subsistência quanto a comercialização", reforçou Adnilson de Almeida.
De acordo com o professor, um exemplo de como o rio Madeira é fundamental aos ribeirinhos é que, após a oscilação entre os períodos de enchentes e de estiagem, as margens retomam férteis. Segundo ele, é nesses áreas que se planta a macaxeira, o feijão ou a melancia.
"O Madeira tem uma importância gigantesca para essa população. Eu diria que o rio, dada as proporções dele, tem a mesma característica do rio Nilo, no Egito", exemplificou o especialista.
Fonte: G1 RO
Publicada em 07 de October de 2019 às 10:39